segunda-feira, 24 de maio de 2010

O que faço

É complicado escrever quando de alguma forma serenos lidos de uma forma viva, orgânica, tecendo, dentro de uma conjuntura de compartilhamento. É a modernidade à qual resistimos. Escreverei por uma necessidade ou pela curiosidade de uma experimentação nova, em verdade gosto mais de falar, da prosa, do improviso, escrever exige tempo e formas, regras e disposições que a fala dispensa. É um desafio para mentes treinadas no embate das palavras, a elas afeito ou que foram assim educadas. Há anos aceito o perceptivo tanto quando o racional, a percepção tanto quanto o pensamento e nisto reside uma diferença essencial. A palavra não é minha ferramenta original de comunicação, é a ferramenta da expressão de minha percepção e de minha idealização sobre as coisas, não uma análise, mas uma construção dentro de uma atitude. É essa atitude e essa disposição diante dos fatos que entendo ser “eu”.

Não preocupo com resultados, embora cobre o que não fiz, cobre o que não soube fazer e nisto há mais do que imaginava Há alguns anos. Não deu, só isso, muitos gostariam de uma explicação de porque não fui além. Não consegui superar os obstáculos e eles foram maiores do que supunha e a outra verdade é que agi conforme algum fator interno sempre. Não busquei sucesso material embora me faltasse sempre dinheiro, nem procurei uma carreira acadêmica se não tinha exatamente o que fazer e o que fazia era exatamente o que conseguia. Descobri a pedagogia dentro da questão ensino, e uma visão romântica que sempre me acompanhou: Ainda jovem terminava uma formatura de um curso numa faculdade local quando o então dirigente me convida para dar aulas de Literatura Brasileira e até se quisesse Literatura Internacional.
Argumentei que não tinha nem segundo grau, ao que ele contra argumentou que poderia estudar na própria organização e que eles assinariam os documentos necessários, o que precisavam era de que eu aproveitasse o que fazia por identidade, a leitura constante, apaixonada e séria de uma dezena de autores. Comentou na ocasião que isso era raro e que possuía uma condição inata para a oratória e para sintetizar informações. Deixei passar. Talvez por timidez, por não ter com quem compartilhar a dúvida e porque minha paixão interna era a busca... uma busca que se realizou aos poucos e ao mesmo tempo me distanciou de um possível sucesso pessoal em alguma carreira, eu queria saber mais. E pintar.

Hoje percebo o quanto a aceitação da atividade me afastaria de mim mesmo e me faria produto de um sistema, o acadêmico, preso em conceitos, na pressão dos mantenedores, Estado ou instituições e o quando não estava pronto em termos de uma questão crucial a todo o ser humano, lidar com a fama, com as instituições e com ideais ainda não concretizados. Ao mesmo tempo, quase na mesma época desenhava e fora informalmente convidado a ir para São Paulo das aulas junto com um quase amigo, quase isso ou aquilo e que possuía uma habilidade incrível com as tintas e não tinha muitas idéias, o Emus, apelido de um Lemos que era um pintor de rua em Porto Alegre e era dos melhores, com o qual compartilhei um ateliê que sustentava com a esperança de que pudesse um dia viver de pintura. Ele conseguiu em termos, mas não sabia dar aulas, eu sim. Aí encontrei uma moça e quando vi estava envolvido em toda a sorte de problemas que eu nem sabia que existiam e gerou todo o tipo de conflitos. No fim estava casado e começava um período dos mais ricos e conturbados de minha vida.

Desperto muitas vezes à noite, ao fim de algum sonho em que estou pintando, isso mesmo pintando, chego a sentir o cheiro e o gosto das tintas, porque cheiro termina sendo gosto. Adolescente pedi ao meu pai que financiasse um curso de desenho, talvez fosse bom, deveria ter pedido um de pintura, achava que o desenho era anterior, sabia pouco na época. Ele respondeu “sabiamente”: Filho meu vai ser advogado, engenheiro ou médico, não me ajudou a chegar nem perto de nenhuma delas, terminei me descobrindo pedagogo, continuei lendo livros de Filosofia que comecei aos dezesseis, e o resto saberão por aqui, não percebi como chegou a essas conclusões, seguisse a primeira e possivelmente já teriam dado cabo de minha existência, fosse engenheiro, seria um a mais a tentar reinventar a roda, como médico repetiria uma vida. Ainda hoje quando lembro de suas palavras pergunto de onde poderia tê-las retirado. Quando conversei com ele, duas semanas atrás, disse-me que queria apenas que eu fosse homem. Bastava me ter dito que eu o deixaria tranqüilo, preferiria que ele houvesse ao menos falado comigo algumas vezes antes de morrer. Percebi que poderia ser um ou outro ou isso em que acabei me transformando...

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